19 avril 2006

Cidadania: Homenagem ao massacre dos judeus em Lisboa em 1506

[ór (אור) - significa simultaneamente luz e chama e, de forma metafórica, também conhecimento e memória]

É hoje recordado em Lisboa o massacre (pogrom) dos judeus que teve lugar em Lisboa em 1506. Em homenagem às vítimas, o jornalista Nuno Guerreiro Josué, no seu site
ruadajudiaria, propôs lembrar simbolicamente as vítimas do massacre que, faz hoje 500 anos - de 19, 20 e 21 de Abril de 1506 - vitimou entre dois mil a quatro mil judeus na cidade de Lisboa, acendendo velas no Largo de São Domingos na Baixa de Lisboa hoje, 19 de Abril, às 19 horas. A Comunidade Judaica de Lisboa aderiu à iniciativa proposta no blog. Nessa ocasião serão rezadas as orações de kadish e izkor. A comunidade não apela, no entanto, a que os judeus presentes acendam velas, já que está a terminar a celebração da Páscoa, durante a qual os crentes devem evitar tudo o que implique energia e trabalho.

Estes acontecimentos foram relatados na época por vários cronistas como Damião de Góis e Samuel Usque, que deixaram relatos detalhados dos motins sangrentos. Tudo terá começado na Baixa, no dia 19 de Abril de 1506, um domingo, na Igreja de São Domingos, quando alguém gritou ter visto o rosto do Cristo crucificado iluminar-se inexplicavelmente no altar (existem outras versões). Em redor, gente que rezava pelo fim da seca prolongada que grassava pelo país clamou que era milagre. Entre eles, um judeu convertido à força (marrano) terá tentado explicar que a luz que emanava do crucifixo era apenas um reflexo de um raio de sol que entrava por uma fresta. Terão sido as suas últimas palavras. Acusado de herege e arrastado para a rua, o marrano e um irmão terão sido espancados até à morte e os seus corpos arrastados para o Rossio e queimados – onde três décadas depois foi instalada a Inquisição. Eles seriam apenas os primeiros de entre mais de 2 a 4 mil mortos - judeus portugueses, homens, mulheres e crianças, assassinados de forma brutal em três dias sangrentos. Incitada por frades dominicanos, a multidão que entretanto se aglomerara terá partido em direcção da Judiaria, gritando “morte aos judeus” e “morram os hereges”. A maioria dos mortos seriam arrastados pelas ruas e queimados (alguns vivos) no largo de S. Domingos. Estes acontecimentos deram-se numa época de crise em Portugal e em Lisboa, quando havia a peste (morriam cerca de 300 pessoas por dia de peste), a fome e uma grande seca. A corte tinha-se por isso mudado para Abrantes e o Rei D. Manuel não estava em Lisboa na altura, tendo levado três dias para controlar os motins e massacres, enviando as tropas para isso. D. Manuel pensava poder manter os judeus em Portugal, obrigando-os a converter-se ao cristianismo – os chamados “cristãos novos”. Mas essa tentativa de manter os judeus não deu resultado e mais tarde foi-lhes permitido deixar o país e a inquisição chegaria.

As incompreensíveis cenas de violência desses dias de há 500 anos fazem parte da história de Portugal que a História e os portugueses resolveram esquecer. Este, como outros episódios menos felizes e, não constam dos manuais escolares e mesmo outras tragédias e momentos menos positivos são pintados de forma “light”, como a inquisição, o colonialismo ou a escravatura, o que permite manter vivo o mito do tal “povo de brandos costumes”. Mas a História e a memória não esquecem ( e ainda bem) e ao contrário de alguns, eu penso que nós e as gerações futuras podemos e devemos aprender com a História. Temos aliás o dever, para com os nossos antepassados, de lembrar a História e de velar para que não caia no esquecimento. Para que certos episódios não voltem a repetir-se nunca.

Como escrevia Elie Wiesel, citado em
http://ruadajudiaria.com, “tenho tanto medo do esquecimento quando do ódio ou da morte. (…). É por me lembrar do nosso princípio comum que me aproximo dos meus semelhantes, de todos os seres humanos. É por me recusar esquecer que o seu futuro é tão importante quanto o meu. Que seria o futuro da humanidade se fosse desprovido de memória?” [Elie Wiesel, prémio Nobel da Paz, retirado do prefácio do livro “From the Kingdom of Memory”, Summit Books, New York, 1990].

Menção especial ao jornal Publico que nos últimos dias escreveu bastante sobre o assunto, e em particular no sábado no artigo "
A matança", contribuindo assim para não deixar cair no esquecimento esta tragédia. Nestes dias celebrou-se a Páscoa cristã, rezaram-se missas, as televisões e os media publicaram artigos e transmitiram filmes sobre um homem morto há dois mil anos. Para sermos correctos, seria justo também não esquecer outros quatro mil, assassinados cruel e estupidamente há quinhentos anos em nome desse outro homem.

(english short summary will follow)

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