09 juin 2006

Cidadania: o fim anunciado do tabaco

Vasco Pulido Valente, no jornal Público, compara a Europa e o dr. Correia de Campos, Ministro da Saúde, a Hitler, por quererem proibir o tabaco em locais públicos. Utiliza mesmo as palavras "fanático" e "tirano". Mas não é o único a fazê-lo. Há muitos outros fumadores em Portugal que, apoiados em variadíssimos estudos (sabe-se lá de que universidades), estimam que não, que fumar não é assim tão perigoso para a saúde e que portanto, podem continuar a impôr o seu fumo aos não fumadores. Fumadores esses que deverão continuar a resignar-se. Para eles qualquer proibição é "fascismo", é privação da sua liberdade (deles) de fumar, quando quiserem e onde lhes der na gana.

Mas já não há pachorra para este discurso. Nem tal é políticamente correcto. Mas Vasco Pulido Valente e muitas outras pessoas em Portugal não gostem muito do "políticamente correcto", não lhes convém. Mas é a única forma possível de os indivíduos respeitarem os outros e se respeitarem uns aos outros, em democracia. Mas chamemos-lhe "éticamente correcto" e esqueçamos o político.

Mas afinal, o que está em causa? Primeiro, para o cidadão comum, o que está em causa é poder respirar o ar o mais puro possível. O cidadão comum que apenas respira não impõe nada a ninguém, não obriga ninguém a nada, respirar é um acto vital para todo o ser humano. O que acontece é que durante décadas, e sobretudo desde a industrialização do fabrico de cigarros e da tirania das grandes multinacionais tabaqueiras, os cidadãos que não fumavam foram obrigados a respirar, (em particular em locais fechados), o fumo do tabaco causado pelos fumadores, em cafés, restaurantes, cinemas, hotéis, estações de comboios, aeroportos, aviões, e em qualquer local público. Apesar de haver inúmeros estudos que provaram que muitos milhares de pessoas morrem por ano como consequência de terem sido fumadores passivos (já nem falo naqueles que morrem por terem sido fumadores activos), não é apenas a saúde que está em causa. Não são apenas os riscos de se ser fumador passivo. É o direito, como cidadão, de não ter que respirar o ar que alguém decide poluir e nos impõe respirar. Assim como eu não quero estar num local malcheiroso, putrefacto, também não gosto de estar num local cheio de fumo de tabaco. É um direito elementar. Alguém contesta?

Segundo, cada qual que fume onde quiser, cada qual tem a liberdade de fumar o que quiser onde quiser, desde que não imponha o seu fumo aos outros que não o desejam. Segundo esta lógica, os cafés, restaurantes, etc, poderiam dispor de espaços para fumadores aonde iriam apenas aqueles que o desejassem. Ninguém seria obrigado a nada, portanto. Claro, com a separação física adequada, isso de haver um "cantinho fumador" espalhando-se o fumo a todo o lado não vale. Até aqui tudo bem, mas, será mesmo assim? Será que isto é aceitável? Será que as autoridades públicas, ao impedir mesmo os locais especiais para fumadores, estão a defender a saúde pública? De certa forma sim. Mas estão também a proteger as finanças públicas. Sabendo-se os custos de tratamento e de hospitalização de doentes com patologias causadas pelo tabaco, ao proibir o tabaco em locais públicos, o Estado contribuirá a que se fume menos e consequentemente à redução das doenças causadas pelo tabaco. Boa gestão, poupança. Outra possibilidade seria a de excluir os custos relativos a doenças causadas pelo tabaco do reembolso das caixas e seguros de saúde. Mas isso seria muito dificil e poderia ser contestado, sobretudo quando nem sempre se pode estabelecer uma relação causa-efeito directa. Mas, ao proibir o tabaco em locais públicos reduz-se consideravelmente o consumo de tabaco e, como provam os estudos em países onde tal foi feito, contribui-se substancialmente para o abandono do tabaco (muitas pessoas esperam mesmo por estas medidas como estímulo ao abandono).

Em conclusão, a proibição de fumar em locais públicos não é nenhuma privação de liberdade individual. Os cidadãos que o desejam poderão continuar a ter o privilégio de fumar em suas casas e até nas ruas e no campo (por enquanto…). O mesmo privilégio não têm aqueles que fumam marijuana ou haxixe, que, segundo parece, são menos nocivos para a saúde. Trata-se apenas de uma medida de justiça para com todos aqueles que, como eu, não fumam, mas que têm que respirar o ar viciado imposto por todos aqueles que fumam, em variadíssimos lugares. Certamente que não são estas medidas que vão desenvolver o país, criar postos de trabalho e melhorar o nível de vida dos portugueses. Mas podem contribuir para melhorar a qualidade de vida de muitos. E são simplesmente justas. Por isso, que venha essa proibição!

1 commentaire:

contestatario a dit…

Acho muito bem! O importante é participar em democracia e poder defender os direitos e interesses de um grupo, com bons argumentos. Afinal ninguém é possuidor da "verdade" absoluta. O debate político é um sinal de maturidade política.