27 mars 2006

Cidadania: quem falou que as regiões-plano são consensuais?


No Diário de Notícias de 25-03-06, António José Teixeira escreveu: "Portugal vai regionalizar-se tecnicamente para mais tarde se regionalizar politicamente. Dito de outro modo, como a política só atrapalha, nada melhor do que regionalizar primeiro e perguntar depois."

O governo pretende estes dias aprovar o programa PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado), que estabelece orientações para a reorganização territorial dos ministérios com base nas cinco regiões-plano actuais: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Parece que estas medidas já faziam parte do Programa de Governo, como referiu José Sócrates. Segundo ele, estas regiões, equivalentes às NUT 2 (nomenclatura de designação de unidades territoriais da União Europeia que corresponde, neste caso, a região, NUTS 1 seria o país inteiro), são "uma realidade estatística, orgânica e de planeamento que se impôs nas últimas décadas e devem ser aproveitadas como ideia de coerência". O governo fala agora em "desconcentração" dos serviços do Estado, e não em regionalização (ainda que técnica), mas o que parece estar em causa é mesmo uma espécie de regionalizão técnica. Segundo o primeiro-ministro, "o PS evoluiu" nesta matéria.

Mas, terá mesmo o PS aprendido com os erros do passado? Parece que não. Quando, há uns 7 ou 8 anos o PS organizou o referendo sobre a regionalização, prestou um péssimo serviço ao país. O PS não estava obviamente interessado na descentralização do poder e na regionalização, porque de contrário teria feito uma preparação correcta do referendo. Primeiro ter-se-ia debatido com os outros partidos e em particular com o PSD, teria podido fazer um “pacto de regime” para um tema tão importante para o país, antes de propor um mapa de regionalização aos portugueses. O mapa regional português teria assim sido objecto de debate público verdadeiramente democrático, as competências e funções das regiões teriam sido devidamente explicadas e debatidas com os cidadãos. E o país não teria perdido dez ou mais anos. A realidade é que em Portugal não existe nenhum nível político-administrativo entre os (pequenos) municípios e o Governo nacional. E esse nível é necessário para a eficácia da gestão político-administrativa do país. Não deverão essas regiões ser comparáveis aos Açores ou à Madeira, que são regiões Autónomas, nem sequer às Autonomias espanholas ou aos Länder federais alemães. Mas deverão ter certas competências em relação a alguns sectores que permitirão, no mínimo, coordenar acções e políticas a uma escala territorial adequada (por exemplo a nível de desenvolvimento rural, regional, transportes, energia, saúde). E teriam um executivo eleito responsável e imputável.

Depois do anterior referendo o governo PSD propôs a criação da charada chamada “regiões metropolitanas” e “comunidades urbanas”, uma fantochada que felizmente parece ter dado em nada. Mas parece que afinal alguns líderes se deram conta da necessidade da regionalização mesmo como factor de democracia, contribuindo a aumentar a participação das regiões e dos cidadãos na vida político-administrativa do país e consequentemente podendo contribuir para reequilibrar o desenvolvimento do país, tão polarizado em Lisboa.

As intenções do PS são de fazer novo referendo no início da próxima legislatura (supondo que continua no governo) e começa já a preparar a desconcentração segundo o modelo que preconiza para a regionalização do país. Sócrates considera que o modelo das cinco regiões "é hoje consensual, não só no PS como noutros partidos e na comunidade técnica e científica"! Mas quem falou que este modelo é consensual? Gostaria de saber a que líderes partidários e a que comunidade científica se refere! Eu não vi nada! Estarei a sonhar?


Gostaria de saber quem decidiu, e de que forma "democrática", criar estas regiões-plano, mas que já não correspondem às 5 inicialmente criadas. No fim dos anos 90, antes da aprovação do actual Quadro Comunitário de Apoio do FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento regional) da União Europeia para o período 2000-2007, a anterior região de Lisboa e Vale do Tejo foi dividida (ver foto) por razões estatísticas e financeiras. Assim, a sub-região (NUTS 3) do Pinhal Interior sul (basicamente o sul do Ribatejo) passou a integrar a região do Alentejo, a região do Pinhal litoral (basicamente a Estremadura) passou a integrar a região Centro assim como o norte do Ribatejo. E apenas a zona metropolitana de Lisboa ficou na chamada região de Lisboa e Vale do Tejo. Esta divisão foi feita de forma puramente administrativa, para que as regiões do Ribatejo e Estremadura não perdessem os fundos europeus do FEDER, por estarem integradas numa região rica (a de Lisboa). E foi assim que, estatísticamente, a região do Alentejo deixou de ser a região mais pobre do continente. Mas esta divisão foi feita sem perguntar nada aos portugueses nem a ninguém, aliás apenas por razões burocráticas e administrativas.

E agora o PS e o Primeiro Ministro consideram que esta divisão é consensual? Mas como? Para quem? Como é possível levar este processo a sério?

A minha conclusão é que das duas uma: ou o governo está a meter os pés pelas mãos e vai de encontro à parede, pois arrisca-se a levar um rotundo “NÃO” quando fizer um referendo possivelmente em 2009, ou então é deliberado e apenas se pretende fazer uma desconcentração dos serviços do Estado mas não uma regionalização.

A questão é que o país já vai perder 10 anos ou mais com o atraso da regionalização e arriscamo-nos a perder mais. Entretanto as regiões portuguesas perdem competitividade para muitas regiões europeias, bem mais activas a nível europeu pois com competências e legitimidade democrática. Muitas regiões europeias estão bem representadas em Bruxelas, seguindo de perto o processo de construção e legislativo europeu, e são bem activas. Portugal não tem uma única representação regional junto das instituições europeias, nem sequer da Madeira ou dos Açores. E as regiões espanholas continuam também a não ter interlocutor do lado português o que dificulta o processo de cooperação, tão necessário a vários níveis, perdendo mais uma vez o país competitividade.


Mas quanto mais tempo será ainda necessário para que se entenda tudo isto e que o processo democrático da regionalização seja conduzido satisfatoriamente?